A Sociedade em Conta de Participação como instrumento para investimentos

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Sociedade em Conta de Participação como instrumento para investimentos

 

Em todo o mundo e de forma mais patente nos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, o complexo contexto de globalização econômica, próprio ao cenário contemporâneo, implica o surgimento de novos segmentos empresariais dia após dia, com novos produtos e serviços, dinâmicas organizacionais e administrativas e a modernização das mais diversas modalidades de empreendimentos.

Essa versatilidade e dinamismo do mundo negocial trazem consigo uma vasta gama de oportunidades, sobretudo àqueles que se propõem a investir, de modo que necessidades também são criadas com a finalidade de salvaguarda do capital circulante no mercado.

O Brasil vive um momento singular, se mostrando como um dos palcos mais promissores para a realização de investimentos em infraestrutura, setor que apresenta gargalos importantes e que, de certa forma, impedem o alcance do potencial econômico de nossos empreendedores.

Ocorre que, apesar de se constituir em um destino atraente, os investidores, por vezes, mostram-se temerosos para a realização dos investimentos necessários, seja por se sentirem inseguros com o vasto universo de normas existente em nosso ordenamento, seja por vislumbrarem um obstáculo na burocracia que impera nos trâmites procedimentais junto ao Poder Público.

Nesse ambiente, há uma busca por soluções práticas que viabilizem e fortaleçam o desenvolvimento das mais variadas atividades econômicas, dentre as quais se destacam, no plano jurídico, as de ordem societária, cujas implicações podem operar significativa redução de custos e prevenção de responsabilidades, além de atuarem como gatilho para investimentos de maior complexidade que demandem excepcional circunspecção.

Um dos instrumentos que nos parece adequado a tutelar e viabilizar o ingresso de investimentos no Brasil, a um risco um tanto mais baixo, é a Sociedade em Conta de Participação, na medida em que, como demonstraremos, o patrimônio do investidor não aplicado no empreendimento especificamente contemplado, ficará protegido de um eventual mau resultado. Tal proteção não ocorrerá, no entanto, ao menos não na mesma medida, caso se opte pela criação de uma sociedade específica.

A Sociedade em Conta de Participação (SCP) é uma modalidade societária sui generis, na medida em que, a despeito de se constituir por força de uma affectio em tudo similar àquela que origina as sociedades em geral, não culmina, como as demais sociedades, na criação de uma pessoa jurídica própria, independente dos seus sócios.

Conquanto esteja a SCP, no Código Civil de 2002, incluída no Título II do Livro II (Do Direito de Empresa), que disciplina os tipos societários, tratando-a como sociedade não personificada, é considerável a parcela da doutrina que lhe confirma natureza negocial / contratual, ou seja, não seria vera sociedade, mas um contrato regulador do relacionamento de dois sócios cujos interesses convirjam para um mesmo objetivo, qual seja, o desenvolvimento de um empreendimento específico.

À margem das altercações doutrinárias acerca de sua natureza jurídica, entretanto, é certo que a SCP afigura-se eficiente instrumento para investimentos, máxime em empreendimentos de risco, nos quais pessoas físicas ou jurídicas confiam a execução de determinada atividade econômica ao sócio ostensivo, ou mesmo na execução de obras e serviços públicos, em que somente um dos sócios detém a aptidão para testilhar no certame e contratar com o Poder Público.

Tal eficiência na tutela de segurança dos membros da SCP se centra no estabelecimento de duas categorias de sócios: o sócio ostensivo e o sócio participante. Além da existência dessas duas categorias, há ainda a peculiaridade da formação de um patrimônio especial, com vistas a suportar inicialmente o empreendimento que se pretende levar a efeito com a SCP.

Por primeiro, há que se registrar que a SCP não possui capital social, como o vulgo das estruturas societárias existentes. Há, na estrutura da SCP, a previsão da constituição de um patrimônio especial, composto das contribuições de cada um dos integrantes da SCP. Esse patrimônio especial é que será utilizado para a viabilização do empreendimento.

À vista do patrimônio especial, um dos participantes, designado sócio ostensivo, exercerá, exclusivamente, a atividade constitutiva do objeto social, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade. De outro lado, os demais participantes, denominados sócios participantes, participarão exclusivamente dos resultados do empreendimento.

Assim, o sócio participante, em regra e na prática, é o responsável pela realização da maior parcela do investimento necessário para a composição do patrimônio especial que viabilizará o início do empreendimento, ainda que haja a participação do sócio ostensivo em menor grau.

A peculiaridade e a vantagem do modelo, portanto, residem no fato de que o limite da responsabilidade do sócio participante é o exato montante por ele disponibilizado para a composição do patrimônio especial da SCP. Não há, portanto, assunção de qualquer responsabilidade diversa pelo sócio participante, que somente terá o direito de participar dos resultados da SCP.

Essa estrutura não é vista nos tipos societários clássicos, nos quais se vê, ainda que de forma limitada, o estabelecimento de responsabilidade dos sócios pelo capital social subscrito para a constituição da sociedade, ou pelo valor das ações adquiridas, no caso das sociedades anônimas.

Com efeito, conforme preconiza o art. 991 do Código Civil de 2002, na sociedade em conta de participação a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes. Dispõe o parágrafo único do predito dispositivo, ainda, que se obriga perante terceiro tão somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.

E é exatamente essa distinção, com a consequente redução aos riscos do patrimônio do sócio participante, um fator que pode ser um facilitador para a implementação de investimentos em áreas sensíveis e carentes em nosso país. Veja que o sócio participante não influirá nas relações comerciais estabelecidas com terceiros, todas elas a cargo do sócio ostensivo, único responsável pelo exercício da atividade econômica em si mesmo considerada. É esse sócio ostensivo que se obrigará perante terceiros, o que traz uma margem de conforto e segurança para o sócio participante, cujas únicas obrigações são contribuir para a formação do fundo comum e participar dos resultados do empreendimento na forma estabelecida no contrato de constituição de SCP.

Há que se registrar, no entanto, que se por um lado há a vantagem da redução do risco, há o inconveniente, a depender do perfil do empreendedor, de o modelo não admitir a ingerência do sócio participante na administração do empreendimento, que se repita, estará sempre sob a responsabilidade exclusiva do sócio ostensivo.

Note que não há vedação à fiscalização da atuação do sócio ostensivo. contudo, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier. Há, como se vê sanção para o caso de interferência do sócio participante na gerência das atividades da SCP, sanção essa que se traduzirá, ao fim e ao cabo, no fim da vantagem pretendida inicialmente, qual seja, a não responsabilização do sócio participante pelos atos da SCP e a limitação dos seus riscos ao montante utilizado como contribuição para a formação do patrimônio especial.

Outro aspecto relevante refere-se à forma de liquidação da SCP. De fato, preconiza o artigo 996 do Código Civil que a liquidação da SCP reger-se-á pelas normas que instruem a prestação de contas, na forma da lei processual.

Ou seja, a liquidação da SCP passa por um dos chamados procedimentos especiais, com vistas ao acertamento seguro das posições e direitos dos sócios da SCP. Por óbvio será necessária a propositura de uma Ação de Prestação de Contas. Contudo, ainda que se deva observar tal estrutura de finalização para a SCP, certamente haverá um ganho de tempo com a superação da burocracia necessária para o encerramento de uma sociedade constituída pelo registro de seus atos no órgão de registro, por exemplo.

Não haverá aqui a exigência de formalidades, certidões negativas ou mesmo averbações de instrumentos. Bastará o ajuizamento da Ação de Prestação de Contas, na qual sempre será possível a celebração de acordo para encerramento, mas, ainda que não haja tal acordo, haverá a segurança de um provimento jurisdicional a asseverar que nenhuma pendência resta entre as partes.

Como se vê, o ordenamento jurídico brasileiro consigna em si instrumentos suficientes a tutelar os interesses de investidores, sendo que a SCP se destaca neste ambiente pela segurança que transmite a seus componentes, seja na constituição, seja no curso da realização das atividades, seja no encerramento da SCP, em patente vantagem quanto às demais modalidades de parcerias empresariais.

 

                                                                                                                                       Alexandre Sion

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