Críticas à decisão do STF que exige sistema trifásico de licenciamento ambiental

No último dia 10, o Supremo Tribunal Federal fez ressurgir a tese de usurpação de competência legislativa da União em matéria ambiental e a obrigatoriedade de obtenção das licenças ambientais prévia (LP). de instalação (LI) e de operação (LO) ao determinar a suspensão da decisão sobre autorização provisória para licença ambiental no Amapá. O ministro Luiz Fux, em análise não exauriente do pedido de Suspensão de Segurança nº 5.469/AP, concedeu, monocraticamente, a cautelar requerida pelo procurador-Geral da República, “contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá — TJ-AP, proferida nos autos do Mandado de Segurança 000190-70.2021.8.03.0000, que deferiu liminar para determinar à Secretaria Estadual de Meio Ambiente a expedição de autorização provisória para que os interessados que detivessem processos objetivando a emissão da licença ambiental e que dependessem apenas da comprovação da posse pudessem realizar o plantio da safra de grãos”. 

Na decisão, o ministro determinou a suspensão cautelar da segurança concedida, sob o argumento de que estariam presentes os requisitos da tutela cautelar. O fumus boni iuris estaria representado pela competência da União para editar normas gerais sobre meio ambiente e, consequentemente, pela suposta imprescindibilidade da obtenção das LP, LI e LO, sucessivamente, conforme entendimento exarado pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.475/AP. O requisito do periculum in mora estaria configurado em razão da possibilidade de “causação de danos no exercício de atividade possivelmente causadora de impactos ambientais sem o devido licenciamento”, calcado nos princípios da prevenção e da precaução, o que, de per si, representaria risco ao resultado útil do processo. 

Pois bem, inicialmente, a despeito da análise perfunctória realizada monocraticamente, os fundamentos erguidos na decisão expressam a tendência de manutenção do entendimento com vistas a suspender a segurança concedida, baseado no juízo firmado na ADI nº 5.475/AP, ocasião em que o STF, contrariando entendimento anteriormente exarado na ADI nº 4.615/CE, julgou a inconstitucionalidade formal do inciso IV e do §7º do artigo 12 da Lei Complementar nº 5/1994 do Amapá, alterados pela Lei Complementar estadual nº 70/2012, alicerçado no argumento de que as normas gerais emitidas pela União restariam desrespeitadas no caso de previsão da licença ambiental única (LAU) pelo Estado. Como se não bastasse, a inconstitucionalidade material foi declarada sob o argumento de que a LAU, hipótese de licença simplificada, configuraria instrumento menos eficiente à proteção ambiental, com pretensa violação ao artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988).

Cumpre lembrar que a inconstitucionalidade da LAU e a consequente exigência das três licenças na ADI citada se fundamenta na usurpação de competência do estado do Amapá ao promulgar lei complementar que, supostamente, contraria a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 237/1997 no que respeita à obrigatoriedade do sistema trifásico de licenciamento ambiental. A decisão também se fundamenta nos princípios da precaução e da prevenção, defendendo que o sistema trifásico de licenciamento garantiria maior proteção ao meio ambiente como bem jurídico tutelado. 

Data maxima venia, os fundamentos da decisão exarada, na mesma medida da ADI nº 5.475/AP, não nos parecem adequados. Com efeito, a própria Resolução Conama nº 237/1997, utilizada como base para pretensa inconstitucionalidade da lei amapaense, já define a possibilidade dos órgãos ambientais estabelecerem “(…) procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental (…)” (artigo 12, §1º). 

Há de se considerar aqui dois aspectos muito caros à nossa discussão: primeiramente, nos termos do artigo 24 da CRFB/1988, na falta de lei geral que discipline o licenciamento ambiental, cabe aos estados legislarem de forma plena. Na perspectiva da hierarquia de normas, não pode ser admitida a prevalência de uma resolução, norma infralegal, em contraponto à uma lei complementar que trate sobre o mesmo objeto. Nessa mesma linha, a declaração de inconstitucionalidade não pode ser observada em face de norma infralegal do Conama, pois, a despeito de ter sido prevista pela Lei Federal nº 6.938/1981, com lei não se confunde. Logo, uma lei estadual não pode ser declarada inconstitucional com base em violação a uma resolução. Axiomático que a previsão de uma lei geral do licenciamento ambiental torna-se cada vez mais premente, porém, durante o limbo existente entre o PL nº 3.729/2004 e sua efetiva conversão em lei, os Estados não podem ser tolhidos de legislar, sob pena de afronta ao artigo 24, da CRFB/1988. 

Outro ponto digno de nota respeita à prescindibilidade do sistema trifásico de licenciamento ambiental. Propedeuticamente, a Lei Complementar do Amapá nº 5/1994, cujas discussões de inconstitucionalidade dela partem como pontapé inicial, estabeleceu um conjunto de licenças ambientais além das três tradicionalmente previstas na referida resolução do Conama, não se furtando, por certo, da exigência de licenciamento ambiental. 

Além disso, paira a crença de que o modelo trifásico serve à maior proteção ambiental, como se a proteção estivesse restrita à avaliação sucessiva das licenças e não ao conteúdo das licenças em si. É fundamental, para atender aos comandos constitucionais e normativos, que os empreendimentos que causem, ainda que potencialmente, danos ao meio ambiente e/ou utilizem recursos naturais sejam precedidos de regular licenciamento ambiental (artigo 2º, I, da Lei Complementar nº 140/2011 c/c o artigo 10 da Lei Federal nº 6.938/1981). O que realmente importa é que as licenças sejam emitidas após adequada avaliação administrativa, conduzida pelo órgão ambiental competente, que passa, necessariamente, pela avaliação dos impactos positivos e negativos do empreendimento que se pretenda implantar e operar. 

Para atender a tais comandos, não é necessário que o órgão ambiental exija três licenças sucessivas se o seu conteúdo estiver compreendido em duas ou até em apenas uma. Noutros termos, por que a emissão concomitante da LP e da LI, ou de LP, LI e LO, seria, em tese, menos vantajosa ao ambiente?

Por certo, como sustenta Bessa Antunes, “a proteção ambiental é conferida pela atuação do empreendedor dentro dos limites estabelecidos pela licença e não pelo caminho utilizado para a sua concessão”. 

Os rumores de que o modelo trifásico de licenciamento confere maior proteção ambiental consistem, assim, nas palavras dos órgãos ambientais, em manifesta falácia, até mesmo sob o ponto de vista de eficiência da análise do processo licenciatório pelo órgão ambiental, na medida em que a concomitância das licenças, verbi gratia LP e LI, garante ao analista uma visão mais ampla do planejamento de determinado empreendimento e o que de fato será implementado. Essa previsão conjunta, englobando o diagnóstico de viabilidade ambiental e locacional do empreendimento e os impactos derivados da futura implantação, juntamente com as medidas de controle, mitigação e compensação do empreendimento no mesmo processo é fundamental para uma análise cirúrgica da atividade a ser desenvolvida. 

A bem da verdade, o sistema trifásico, criado há 24 anos pela Resolução Conama nº 237/1997, revela-se anacrônico, tendo os Estados adequado as suas legislações às particularidades regionais, valendo citar, como exemplo, Minas Gerais e Santa Catarina, o que representa, decerto, o autêntico exercício da autonomia constitucional no que tange à sua auto-organização. 

Para cada tipo de empreendimento e magnitude de impacto, deve o órgão ambiental, com base na legislação do ente federativo ao qual se vincula, ter a prerrogativa de definir o tipo de licenciamento mais adequado. Como juristas, precisamos ter a humildade de reconhecer que se trata, eminentemente, de análise técnica (e não jurídica) a subsidiar o mérito administrativo. 

Quanto a essa perspectiva, o PL nº 3.729/2004, ao regulamentar o inciso IV do §1º do artigo 225 da CRFB/1988, absorve e reúne os modelos de licenças ambientais já previstos em normas ambientais de diversos entes federativos, visando à criação de um standard geral capaz de atender às peculiaridades das diversas regiões do país e se adequar à realidade do que realmente é praticado pelos entes federativos.

Assim, com o meu máximo respeito, penso que o STF perde a oportunidade de retomar o entendimento exarado na ADI nº 4.615/CE, influindo decisivamente na discussão sobre os tipos de licença ambiental válidos e a dispensa do sistema trifásico para todo e qualquer caso. Novamente, com a minha profunda deferência, penso que, em seu papel de porta-voz do Direito e garantidor da segurança e da estabilidade jurídicas, deve primar por decisões que não gerem instabilidade e imponham um trabalho hercúleo aos juristas para se orientarem em meio à profusão de decisões conflitantes.

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